segunda-feira, 31 de maio de 2010

Yoani Sánchez (ou como promover uma dissidente cubana) CARTA MAIOR

A blogueira é a bola da vez da estratégia de Washington de forjar uma oposição interna em Cuba. Seu multimilionário blog não é resultado de iniciativa espontânea de uma cidadã que resolveu abrir o coração, como a mídia hegemônica costuma apresentá-lo. A execução do programa que financia essa política intervencionista foi provisoriamente suspensa pelo Senado estadunidense, sobretudo por causa da prisão, em Cuba, de um enviado de Washington que tinha a tarefa de tratar da distribuição do dinheiro. O artigo é de Hideyo Saito.

Hideyo Saito

A blogueira Yoani Sánchez é hoje a figura mais cortejada pela coalizão de forças que combate a revolução cubana, liderada por Washington e composta por outros governos, por partidos políticos, por órgãos da mídia e por ONGs do mundo inteiro. Trata-se de uma poderosa tropa de choque que exige ampla liberdade política, respeito aos direitos humanos e democracia, mas apenas em Cuba. Aparentemente nenhuma outra nação no mundo inspira seus cuidados em relação a esses direitos políticos e humanos. Da mesma forma, denuncia também a escassez de bens de consumo em Cuba, mas jamais menciona o estrangulamento econômico praticado por Washington (que, aliás, é condenado por todos os países-membros da ONU, com as únicas exceções dos próprios Estados Unidos e de Israel).

O objetivo central dessa coalizão passou a ser, desde os anos 90, organizar e financiar uma oposição interna em Cuba. O congresso dos Estados Unidos aprovou leis especiais para respaldar essa política: a Torricelli, de 1992, e a Helms-Burton, de 1996. O intervencionismo teve seu auge no período de George W. Bush, que criou a Comissão de Apoio a uma Cuba Livre, presidida pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, e indicou Caleb McCarry (um dos artífices do golpe contra o presidente Jean-Bertrand Aristide no Haiti), como responsável pela transição à democracia naquele país.

Os recursos oficiais estadunidenses destinados a essa finalidade foram, em 2009, de US$ 45 milhões, sem considerar o orçamento da Rádio e TV Martí e verbas paralelas não declaradas (1). No atual exercício, haviam sido liberados US$ 20 milhões, com a orientação de que fossem distribuídos diretamente aos destinatários em Cuba. O programa, entretanto, foi provisoriamente suspenso em abril último pelo presidente do Comitê Exterior do Senado, John Kerry (ex-candidato presidencial), provavelmente por causa da prisão em flagrante, em Cuba, de Alan P. Gross, quando fazia a distribuição de dinheiro e de equipamentos de comunicação (2).

O advogado José Pertierra, que atua em Washington, relacionou de forma exaustiva os diversos itens da ajuda provisoriamente suspensa, com base em informe oficial do Senado dos EUA. Destacamos apenas alguns, a título de exemplo: US$ 750 mil para os defensores de direitos humanos e da democracia; US$ 750 mil para parentes de presos políticos, como as “Damas de Branco”, e para ativistas que lutam para libertar aqueles presos; US$ 3,8 milhões para promover a liberdade de expressão, especialmente entre artistas, músicos, escritores, jornalistas e blogueiros (com ênfase nos afrocubanos); US$ 1,15 milhão para capacitar os ativistas mencionados no uso das novas tecnologias de comunicação.

A corrida pelo dinheiro de Washington
Essas informações tornam insustentável negar o financiamento estadunidense aos chamados dissidentes, de maneira geral. Não custa recordar ainda que aqueles que a mídia dominante insiste em chamar de presos políticos (cuja libertação está sendo reclamada pelo grevista de fome Guillermo Fariñas Hernández) foram julgados em 2003 justamente sob a acusação de receber dinheiro de Washington para combater a revolução. Em relatório de 2006, a Anistia Internacional registrou a realização, no ano anterior, de um congresso de dissidentes com a participação de mais de 350 organizações (a ata do encontro, porém, menciona a presença de 171 pessoas) nos arredores de Havana. Essa proliferação, porém, longe de mostrar a força da oposição, esconde a corrida de seus idealizadores para arrancar dinheiro de Washington.

Praticamente todas são organizações artificiais, criadas para que suas lideranças possam apresentar-se no escritório de representação dos EUA em Havana para receber a sua parte na cobiçada "ajuda em prol da democracia". Não há notícias sobre discussões políticas ou doutrinárias nessas entidades e muito menos de ações públicas sérias de sua iniciativa. Mas há fartos registros, isto sim, de brigas e denúncias recíprocas envolvendo a repartição e o uso da dinheirama. É por isso que, neste momento, a maioria dos dissidentes não vê com bons olhos a ascensão de Yoani Sánchez.

Lech Walesa de saias
O sonho dourado dos ideólogos de Washington é forjar em Cuba um novo Lech Walesa, o líder do sindicato Solidariedade e depois presidente da Polônia, apontado pelo National Endowment for Democracy (NED), do Departamento de Estado, como o maior triunfo de sua política. No caso de Cuba, isso foi tentado, entre 2000 e 2002, com um dissidente chamado Osvaldo Payá Sardiñas, organizador de um projeto de lei de iniciativa popular, que teve pouco mais de 11 mil assinaturas. O projeto foi recebido oficialmente, mas rejeitado pelo parlamento cubano.

Ele pretendia estabelecer nada menos que a liberdade para a criação de empresas privadas, inclusive órgãos de imprensa, a instituição do pluripartidarismo e outras medidas que implicavam eliminar o socialismo cubano de uma penada, baseado no suporte daquelas assinaturas (o número de eleitores no país é de 8,5 milhões). Equivale a um projeto de lei de iniciativa popular que fosse apresentado ao Congresso brasileiro, prevendo o fim da propriedade privada dos meios de produção, a convocação de eleições com candidatos indicados exclusivamente em assembleias de bairro e o fechamento dos oligopólios da comunicação. Seria cômico se o conteúdo da iniciativa não coincidisse com o do “programa de transição” divulgado em 2006 pela Comissão de Apoio a uma Cuba Livre, do governo Bush.

Em todo caso, com base nesse projeto Osvaldo Payá foi transformado em herói pela mídia dominante. Como acontece atualmente com a blogueira Sánchez, foi alvo de prêmios e honrarias mundo afora, além de merecer espaços enormes na mídia dominante. Recebeu, entre tantos outros, o Prêmio Andrei Sakharov da União Européia, quando estava sob a presidência do ex-premiê espanhol, José Maria Aznar, e foi recepcionado em audiência especial pelo Papa João Paulo II. Como o esforço não produziu os resultados esperados, a mesma mídia que o glorificava o esqueceu (como havia feito antes com Armando Valladares).

Agora, chegou a vez de Yoani Sánchez. Após ter resolvido subitamente voltar a Cuba de seu exílio na Suíça, colocou o blog no ar em abril de 2007. Pouco mais de meio ano mais tarde, ela já se transformava em personalidade mundial, com o acionamento da engrenagem publicitária da coalizão anticubana. Começaram a aparecer entrevistas de página inteira com a blogueira, não raro com chamadas de capa, em grandes publicações como The Wall Street Journal, The New York Times, The Washington Post, Die Zeit e El País, sem falar nos jornalões brasileiros e na indefectível Veja.

Ao mesmo tempo, sempre de forma significativamente sincronizada, surgiram os prêmios, os convites para viagens e outras iniciativas de cunho promocional. Em 2008 a blogueira foi premiada em vários países da Europa e nos Estados Unidos, além de ter sido incluída, pela revista Time, na relação das 100 personalidades mais influentes do mundo e pelo diário espanhol El País, entre os 100 hispano-americanos mais influentes. No mesmo ano, a revista estadunidense Foreign Policy a considerou um dos 10 intelectuais mais importantes do ano, assim como a revista mexicana Gato Pardo. Mais recentemente, lançou um livro em grande estilo, com edições quase simultâneas em diversos países, e adiantamento por conta de direito autoral (como os € 50 mil pagos pela editora italiana Rizzoli). Digno de registro também é que Yoani Sánchez enviou um questionário dirigido ao presidente Barack Obama e ele o respondeu prontamente. Ela explicou candidamente a atenção que Obama lhe dedicou: “talvez eu tenha sorte”.

Um blog multimilionário
A verdade é que o blog que a fez famosa desfruta de sorte não menos fantástica. Ele foi registrado por intermédio de um serviço chamado GoDaddy, uma companhia que costuma ser contratada pelo Pentágono para compra de domínios de forma anônima e segura para suas guerras no cyberespaço, conforme denunciou a jornalista espanhola Norelys Morales Aguilera (3). “Não há em toda Cuba uma só página de internet, nem privada, nem pública, com o potencial tecnológico e de design da que ela exibe em seu blog”, sustenta.

O blog é atualmente hospedado em servidor espanhol, que não lhe cobra nada ("por 18 meses", diz ela), embora processe 14 milhões de visitas mensais e ofereça suporte técnico praticamente exclusivo. No mercado, custaria milhares de dólares por mês. É traduzido para nada menos que 18 idiomas, luxo que nem os portais dos mais importantes organismos multilaterais, como a ONU, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional ou a OCDE, exibem. Sánchez diz que são amigos que fazem as traduções. Segundo o jornalista Pascual Serrano, ela usa recursos da web 2.0 a que muito poucos cubanos têm acesso, como o Twitter, os foros sociais e outros (4). Em 2009, segundo o jornalista francês Salim Lamrani, o Departamento do Tesouro dos EUA, baseando-se na lei do bloqueio, fechou mais de 80 sítios de internet relacionados a Cuba, alegando que eles promoviam comércio. A única exceção foi justamente o blog de Sánchez, embora lá também haja venda de livros. Aliás, o sistema de pagamento utilizado por ele, o Paypal, e o de “copyright” que protege os textos da blogueira estão igualmente vedados a qualquer outro cidadão cubano, pelas mesmas razões (5).

Em recente entrevista a Lamrani, feita em Havana, Sánchez disse que seu blog não pode ser acessado de Cuba, como costuma “denunciar” aos dóceis jornalistas da mídia dominante. Só que desta vez foi desmentida no ato pelo entrevistador, que havia acabado de entrar na página sem qualquer restrição. Então, espertamente se corrigiu: “com freqüência ele fica bloqueado” (6). A verdade é que o blog – assim como qualquer outro sítio – jamais foi objeto de medida repressiva do governo cubano. Isso é comprovado pela Alexa - The Web Information Company, que mede o volume de acesso de páginas de internet do mundo inteiro: segundo seus dados, o portal Desde Cuba, que abriga o blog de Sánchez, tinha 7,1% do seu tráfego originário de equipamentos cubanos, no final de 2009 (7).

O blog de Sánchez também foi distinguido em 2008 como um dos 25 melhores do mundo pela TV CNN, além de ter sido premiado pela revista Time e pela TV Deutsche Welle. As justificativas das premiações e honrarias alegam a coragem cívica de sua idealizadora e exaltam a qualidade de suas crônicas, embora elas se caracterizem, na verdade, por uma descrição pouco sutil da situação cubana, num tom catastrofista, sem qualquer nuance. Em sua prosa simplista, Cuba não passa de uma “imensa prisão com muros ideológicos”, onde se ouvem os “gritos do déspota” e as pessoas vivem entre “o desencanto e a asfixia econômica”, por culpa exclusiva do governo. Não há programas sociais bem-sucedidos, mesmo que eles sejam reconhecidos até pelo Banco Mundial, assim como não há fatores externos que agravam as dificuldades do país – exatamente como no diagnóstico maniqueísta da extrema-direita de Miami.

Apesar de tudo, após se casar com um alemão e se estabelecer na Suíça entre 2002 e 2004, Yoani Sánchez não só decidiu voltar espontaneamente a esse inferno que descreve com tintas carregadas, como implorou ao governo cubano que anulasse a sua condição de emigrada (8). Definitivamente, não estamos diante de uma amadora que resolveu despretensiosamente escrever sobre sua rotina e a de seu país, como ela é descrita pela mídia dominante.

NOTAS

(1) Diversas auditorias pedidas por congressistas concluíram que havia desvio e corrupção envolvendo esse dinheiro, mas a "ajuda" continuou, a pedido dos próprios dissidentes, como Elizárdo Sánchez e Martha Beatriz Roque.

(2) José Pertierra. La guerra contra Cuba: Nuevos presupuestos y la misma premisa. CubaDebate, 02/04/2010. http://www.cubadebate.cu/opinion/2010/04/02/guerra-eeuu-contra-cuba-nuevos-presupuestos-misma-premisa/.

(3) Norelys Morales Aguilera. Si los blogs son terapéuticos ¿Quién paga la terapia de Yoani Sánchez?. La República , 13/08/2009. http://larepublica.es/firmas/blogs/index.php/norelys/main-32/?paged=3.

(4) Pascual Serrano. Yoani en el país de las paradojas. Blog Pessoal, 19/01/2010. http://blogs.publico.es/dominiopublico/1781/yoani-en-el-pais-de-las-paradojas/.

(5) Salim Lamrani. Cuba y la “ciberdisidencia”. Cubadebate, 26/11/2009. http://www.cubadebate.cu/opinion/2009/11/26/cuba-y-ciberdisidencia/.

(6) Repórter desmascara blogueira cubana Yoani Sánchez em entrevista. Portal Vermelho, 25/04/2010. http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=128182&id_secao=7.

(7) Ver http://www.alexa.com/siteinfo/desdecuba.com. O jornalista espanhol Pascual Serrano solicitou a amigos de Havana que tentassem acessar o blog de Yoani Sánchez no mesmo horário. De cinco diferentes computadores, alguns residenciais, outros públicos, usando diferentes provedores, quatro entraram na página sem problema. Pascual Serrano. El blog censurado en Cuba. Rebelión, 26/03/2008. http://www.rebelion.org/noticia.php?id=65134.

(8) Ela contou em seu blog que se surpreendeu com a existência, no serviço de imigração, de fila de pessoas que retornam a Cuba após terem pedido para sair.

(*) O autor é jornalista com passagem pela Rádio Havana. Tem prontos os originais de um livro sobre a atualidade cubana, produzido em colaboração com Antonio Gabriel Haddad, com o título provisório de “Cuba sem bloqueio: a revolução cubana sem as manipulações impostas pela mídia dominante”.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Escola Nacional Florestan Fernandes

Meus Caros,

A partir do dia 29 de maio, por iniciativa da Associação de Amigos da
Escola Nacional Florestan Fernandes, -AAENFF terá início um seminário
para debater temas da realidade brasileira. Nós da associação
entendemos que esse seminário será uma oportunidade, não somente para
aprofundar os temas escolhidos, como estabelecer um contato mais
próximo de pessoas que estão preocupadas com os destinos do País, do
ponto de vista dos trabalhadores e da maioria da população.O seminário
também tem como objetivo criar condições para criar um círculo de
amigos e companheiros que possam colaborar com a Escola Nacional
Florestan Fernandes que está precisando urgentemente de nosso apoio
para assegurar a sua sobrvivência e continuidade.Por essa razão peço
que os companheiros que não somente participem do mesmo (se possível),
como divulgue-o para outras entidades e para o seu círculo de
contatos.
Um grande abraço,
Delmar Mattes

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Seminário Permanente de Altos Estudos Contemporâneos - 2010
CONVITE e PROGRAMA

29 de Maio – Mesa de Debates A EPIDEMIA DA DEPRESSÃO NO CAPITALISMO
Palestrantes
Isleide Fontenelle
Leandro Alberto de Paiva Siqueira
Maria Noemi de Araujo
Maria Rita Kehl

03 de Julho – Mesa de Debates FUTEBOL
Palestrantes
Daniel Hirata
Fábio Luiz dos Santos
José Miguel Wisnik
Luiz Gonzaga Belluzo
Paulo Arantes
Tales Ab’Saber

31 de Julho – Mesa de Debates AS ENCHENTES EM SÃO PAULO
Palestrantes
Arlete Moyses
Ermínia Maricato
Delmar Mattes

28 de Agosto – Mesa de Debates ENERGIA: ESTRATÉGIA E PODER
Palestrantes
Gilberto Bercovici
Ildo Sauer

25 de Setembro – Mesa de Debates O ESTADO DE DIREITO NO BRASIL
Palestrantes
Fábio Konder Comparato
Flavia Piovesan (a confirmar)
Kenarik Boujikian Felippe (a confirmar)

30 de Outubro – Mesa de Debates O LEGADO DO GOVERNO LULA
Palestrantes
Alipio Freire (a confirmar)
Altamiro Borges
André Singer
Bernardo Mançano
Rosa Marques (a confirmar)
Valério Arcari

27 de Novembro – Mesa de Debates OS 100 ANOS DA REVOLUÇÃO MEXICANA
Palestrantes
Guillermo Almeida
Leandro Saraiva (a confirmar)
Lucio Flavio Rodrigues (a confirmar)
Rubens Machado
Horário: 14h às 18h
Local: Auditório da Unesp (Universidade Estadual Paulista) - Praça da
Sé nº 108, 7º andar, Centro, São Paulo

Inscrições*: Enviar nome completo, RG, telefone e correio eletrônico,
para a Secretaria da Associação dos Amigos da Escola Nacional
Florestan Fernandes, correio eletrônico: seminario@amigosenff.org.br
*A inscrição é gratuita e haverá comprovante de participação para quem
tiver presença em pelo menos 75% das mesas de debate.
** Vagas limitadas

Realização:
Associação dos Amigos da Escola Nacional Florestan Fernandes
Cátedra UNESCO de Educação do Campo e Desenvolvimento Territorial da Unesp
Escola Nacional Florestan Fernandes

Co-realização:
Departamento de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Lembramos que está confirmado o Seminário Permanente de Altos Estudos
Contemporâneos, o debate "A EPIDEMIA DA DEPRESSÃO NO CAPITALISMO"
marcada para o sábado, dia 29 de maio, das 14h às 18h00 (pedimos que
cheguem ao local com no mínimo meia hora de antecedência) no Auditório
da Unesp (Universidade Estadual Paulista) - Praça da Sé nº 108, 7º
andar, Centro, São Paulo.
Todos os participantes da mesa:
· Isleide Fontenelle
· Leandro Alberto de Paiva Siqueira
· Maria Noemi de Araujo
· Maria Rita Kehl
Pedimos que se comuniquem para tentar fazer com que o debate seja o mais rico possível, lembrando que teremos um público de aproximadamente 160 pessoas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Governo muda regra para contratar professor

Secretaria de Educação de SP abre vagas para temporários que não participaram do Processo de Seletivo Simplificado para Docentes

Professores que não participaram do Processo Seletivo Simplificado para Docentes poderão se candidatar a uma vaga de temporário em escolas estaduais de São Paulo. A mudança na regra foi publicada pela Secretaria de Educação nesta terça-feira no Diário Oficial. Serão aceitos agora docentes e candidatos que, mesmo inscritos, não fizeram a prova de conhecimento.
A atribuição de aulas vai ocorrer desde que esgotadas as possibilidades de atribuição de aulas aos docentes e candidatos aprovados na prova. É vedada a atribuição de aulas que não sejam de disciplinas previstas nas matrizes curriculares.
"A decisão mostra que aparentemente está havendo lacuna de professores na rede estadual, em decorrência do chamado provão dos temporários", afirmou Maria Izabel Noronha, presidente da Apeoesp, o sindicato que representa os professores e que é contra a avaliação.
O Processo Seletivo Simplificado para Docentes foi uma medida tomada pela Secretaria de Educação com o objetivo de selecionar professores mais qualificados. Neste ano, no entanto, o total de professores aprovados foi insuficiente.

Portaria Normativa sobre Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente

PORTARIA_NORMATIVA_Nº_14_-_MEC_-_DOU_24052010.doc (27 Kb) attached

Portaria Normativa nº 14 (Diário Oficial da União de 24/05/2010)

DE 21 DE MAIO DE 2010

Institui o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente.

O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições e considerando o disposto na Lei nº 9.448, de 14 de março de 1997, resolve:

Art. 1º Instituir, no âmbito do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), o Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente, o qual constitui-se de uma avaliação de conhecimentos, competências e habilidades para subsidiar a contratação de docentes para a educação básica no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 2º O Exame tem os seguintes objetivos:

I - subsidiar os Estados, o Distrito Federal e os Municípios na realização de concursos públicos para a contratação de docentes para a educação básica;

II - conferir parâmetros para auto-avaliação dos futuros docentes, com vistas à continuidade da formação e à inserção no mundo do trabalho;

III - oferecer um diagnóstico dos conhecimentos, competências e habilidades dos futuros professores para subsidiar as políticas públicas de formação continuada;

IV - construir um indicador qualitativo que possa ser incorporado à avaliação de políticas públicas de formação inicial de docentes.

Art. 3º O exame avaliará conhecimentos, competências e habilidades imprescindíveis à vida docente, ao mundo do trabalho e ao exercício da cidadania, tendo como base a matriz de competências especialmente definida para o exame, a ser divulgada anualmente pelo Inep.

Art. 4º As Secretarias de Educação interessadas em utilizar os resultados do Exame Nacional de Ingresso na Carreira Docente deverão formalizar adesão junto ao Inep.

Parágrafo único. Cabe a cada Secretaria de Educação definir a forma de utilização dos resultados do Exame para fins de contratação de docentes.

Art. 5º O exame será realizado anualmente, com aplicação descentralizada das provas, observando as disposições contidas nesta Portaria e em suas normas complementares.

Art.6º O planejamento e a operacionalização do exame serão realizados pelo Inep.

Art. 7º A participação no exame é de caráter voluntário, mediante inscrição.

§ 1º O valor da taxa de inscrição será fixado anualmente pelo Inep, e será destinado ao custeio dos serviços pertinentes à elaboração e aplicação das provas, bem como ao processamento dos seus resultados.

§ 2º A participação no exame conferirá ao candidato um boletim de resultados.

Art. 8º O Inep, resguardado o sigilo individual, estruturará banco de dados e emitirá relatórios com os resultados do exame, a serem disponibilizados para instituições de educação superior, secretarias de educação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e pesquisadores, visando ao aprofundamento e à ampliação da análise de interesse da sociedade.

Art. 9º Os resultados individuais do exame somente poderão ser utilizados mediante a autorização expressa do candidato.

Parágrafo único. O Inep confirmará os dados constantes do

boletim de resultados apresentado pelo examinando sempre que solicitado.

Art. 10. Os procedimentos, prazos e demais aspectos operacionais relativos ao exame, à inscrição dos interessados e às normas complementares serão estabelecidos em Portaria pelo presidente do Inep.

Art. 11. Revogar a Portaria Normativa nº 6, de 28 de maio de 2009.

Art. 12. Esta Portaria entra em vigor na data da sua publicação.

Lula vai vetar o fim do fator previdenciário, dizem ministros

FÁBIO AMATO
DE BRASÍLIA

Os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) disseram nesta segunda-feira que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu vetar o fim do fator previdenciário, mas ainda não se decidiu sobre o índice de reajuste aos aposentados que ganham acima de um salário mínimo.

A declaração foi feita depois de reunião com o presidente Lula, em Brasília. O ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais), que também estava presente no encontro, negou que o veto ao fim do fator previdenciário já estava certo. Segundo ele, Lula ainda não se decidiu sobre nenhuma das duas questões.

`A questão do fator previdenciário está definido que vai ser vetado`, disse Bernardo. Ele e Mantega voltaram a sugerir a Lula que também vete o reajuste de 7,7% aos aposentados, aprovado na semana passada pelo Senado.

Bernardo admitiu, porém, que dificilmente Lula deverá vetar o índice, já que isso obrigaria o governo a encaminhar uma nova medida provisória ao Congresso ou então a não dar reajuste a este um terço dos aposentados que ganham acima de um salário mínimo.

`O compromisso que o governo fez com as centrais sindicais e com as lideranças políticas foi de [reajuste de] 6,14%. Se tivermos alternativa de manter esse compromisso nós vamos fazer. Mas ficou muito difícil porque, vetando, não poderá fazer um novo reajuste.`

Segundo Padilha, o presidente vai decidir se veta ou não os dois pontos do projeto antes que a atual MP expire, o que ocorre no dia primeiro de junho.

`O presidente não fechou a sua ideia. Ele ouviu a área econômica que apresentou a sugestão. Várias vezes a área econômica apresenta coisas para o presidente e o presidente força e busca outras alternativas`, disse Padilha.


Fonte: Folha Online, 24 de maio de 2010. Na base de dados do site www.endividado.com.br

domingo, 23 de maio de 2010

Novo currículo para os alunos do Texas

Alessandra Correa | 2010-05-21, 23:42
BBC
Uma decisão anunciada nesta sexta-feira reforçou a imagem que muitos americanos têm do Texas como um dos Estados mais conservadores do país.

Depois de meses de polêmica e protestos, o Conselho de Educação do Estado aprovou uma revisão dos currículos de Estudos Sociais e História nas escolas públicas.

Muita gente não gostou da mudança e diz que é resultado da influência de uma ala republicana religiosa no conselho e que vai politizar o ensino e impor visões conservadoras.

Uma das modificações prevê que os professores do Texas deem maior ênfase ao ensino dos benefícios do sistema de livre mercado americano.

Outra proposta é a de que as aulas ressaltem como os ideais americanos beneficiam o mundo, enquanto organizações como a ONU podem representar uma ameaça às liberdades individuais.

A revisão no currículo das escolas texanas ocorre a cada dez anos. Isso significa que as mudanças aprovadas nesta semana só poderão ser modificadas daqui a uma década.

A preocupação dos críticos dessa reforma é também de que as mudanças possam respingar em outros Estados, já que, com quase 5 milhões de alunos, o Texas tem grande influência na indústria de livros didáticos do país.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

A ação de crime organizado contra a Grécia

O “plano de salvamento” adotado pela União Européia e pelo FMI impede os debates e medidas democráticas na Grécia e em toda a Europa: abertura dos livros de contas (dos estados, dos bancos, das empresas) e balanço do fracasso da UE neoliberal como atesta o recurso ao FMI. As agências de classificação de riscos que hoje “avaliam” desequilíbrio elevaram às nuvens em 2007 o que depois se viu serem “títulos podres” na crise do subprime. Agora já se permitem infligir “más notas” de que se valem os mercados especulativos: O artigo é de Hugo Harari-Kermadec e Catherine Samary

Hugo Harari-Kermadec e Catherine Samary

Georges Panpandreu aceitou um plano de austeridade sem precedentes: em contrapartida por uma ajuda de 100 bilhões de euros em três anos, o estado compromete-se a realizar 30 bilhões de euros de economias. Os lucros e os mercados financeiros são poupados, enquanto os serviços públicos e os assalariados devem pagar os estragos!

Do lado da despesa: trata-se de lançar uma nova ofensiva contra os serviços públicos de educação e de saúde – diminuindo um pouco os gastos militares muito acima da média da União Europeia (UE) – mas garantindo que a França, segundo fornecedor de armamento à Grécia, verá as suas encomendas protegidas. Está prevista uma contra-reforma das reformas, pior que a planejada na França. Os salários dos funcionários serão baixados e depois congelados; e no setor privado, as demissões são facilitadas, ao mesmo tempo que se introduz um salário mínimo para os jovens e os desempregados de longa duração que encontrem um emprego – o que multiplicará os “assalariados pobres”…

Do lado das receitas: as privatizações dos transportes e da energia agravam uma Europa anti-social e desastrosa para o meio ambiente. No plano fiscal, poupam-se os lucros ou as exonerações que benificiam, por exemplo, a Igreja ortodoxa; mas o imposto mais injusto – o IVA – será aumentado.

O recurso ao FMI e a financiamentos bilaterais pelos Estados membros visam salvaguardar a arquitetura neoliberal da UE: ausência de tributação européia (o orçamento europeu tem o teto de 1% do PIB), prioridade ao financiamento privado com livre circulação de capitais e “critérios de Maastricht” [1]. Estes, reafirmados hoje, foram estabelecidos em 1992 para que a Alemanha aceitasse renunciar ao marco alemão. O conjunto construiu uma UE cada vez mais assimétrica. Os países designados com desprezo como os “PIGS” (porcos em inglês), Portugal, Irlanda/Itália, Grécia e Espanha (Spain) são uma “periferia” da zona euro, como existe a do Leste. Aos excedentes comerciais e à débil inflação de uma Alemanha que pratica as deslocalizações para o Leste e a austeridade salarial, correspondem uma maior inflação, déficits e endividamentos superiores noutros lados.

As agências de classificação de riscos “avaliam” estes desequilíbrios. Elas que elevaram às nuvens em 2007 o que depois se viu serem “títulos podres” na crise do subprime, permitem-se hoje infligir “más notas” de que se amparam os mercados especulativos: Grécia, Portugal e Espanha são os mais frágeis – mas a Itália tem uma dívida superior à da Grécia e o déficit do Reino Unido supera os 10%… Dominique Strauss-Khan e o Elisée resmungam contra estas agências que agravam a especulação sobre o euro. Mas os “especuladores” são especialmente os próprios bancos. Os da França e da Alemanha têm 80% da dívida grega. O Banco Central europeu não tem o direito de emprestar aos Estados, mas emprestou aos bancos montantes colossais a juros baixos em plena crise financeira. Este dinheiro serve-lhes hoje para emprestarem, com juros superiores, aos Estados… que acabam de decidir emprestar por sua vez à Grécia, de passagem com um lucro…

O FMI e os governos da UE querem que a Grécia sirva “de lição” européia. Mas essa Europa deve ser rejeitada por mobilizações que imponham verdadeiras solidariedades, e “critérios de convergência” que visem a elevação dos níveis de vida e a proteção do meio ambiente. A moeda e os financiamentos sob controle público devem estar ao serviço da coesão social. O “plano de salvamento” da Grécia poupa os lucros e os rendimentos financeiros sobre a dívida. Há que rechaçá-lo porque é tão injusto como os planos do FMI noutros lados – e ineficaz: a austeridade significará recessão, causa primeira de déficit público – sem fazer cessar a especulação.

Os islandeses recusaram-se a pagar por uma falência que não é a sua, num referendo em março último. Há que recusar o pagamento de dívidas sem auditoria, transparência e debate sobre essas dívidas.

[1] O déficiy público abaixo de 3% do PIB e a dívida pública abaixo de 60% referem-se ao orçamento do estado, das coletividades locais e da segurança social: a fiscalidade e as reformas estão pois no coração do que está em jogo. Mas a UE proibiu também aos bancos centrais da zona euro o financiamento dos Estados.

Publicado em Informação Alternativa / Europe Solidaire Sans Frontières

Marina muda de opinião e defende privatização

21 de maio de 2010 | 0h 00

- O Estado de S.Paulo

Pré-candidata do PV à Presidência, a senadora Marina Silva saiu em defesa da privatização da telefonia no governo de Fernando Henrique Cardoso. "Fui contra a privatização, mas hoje vejo que o princípio foi correto e a mudança positiva", disse em entrevista ao jornalista João Doria Jr.


A senadora se declarou a favor das parcerias público-privadas e disse que a sociedade "está mais atenta" quando o assunto é privatização. "Por isso, estão puxando o freio", analisou. A entrevista vai ao ar amanhã pela Rede Bandeirantes.

Indagada sobre qual estratégia adotará para vencer as eleições, ela reconheceu as dificuldades políticas de sua candidatura - o PV não tem aliança com nenhuma legenda -, mas afirmou que pretende "mobilizar os corações e mentes dos brasileiros". "Nosso tempo de campanha será menor do que o dos outros partidos", admitiu, acrescentando que a internet e as redes sociais deverão funcionar como ferramentas de campanha.

A senadora defendeu a indicação de seu vice, Guilherme Leal. Questionada se estaria seguindo os passos de Lula - cujo vice, José Alencar, foi escolhido para acalmar o setor empresarial -, ela negou: "É uma coincidência. Leal é um empresário de sucesso, com boas práticas empresariais e comprometimento com o meio ambiente, por isso foi indicado ao cargo".

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Duzentos anos da Argentina vistos pelo andar de baixo

A historiografia tradicional construiu vários mitos ao redor do processo da independência da Argentina. É uma narrativa repleta de silêncios e lacunas. Nos conflitos internos e externos, os negros, os índios, mestiços e mulatos sempre foram bucha de canhão. Em 1810, por exemplo, havia uma paridade entre homens e mulheres negras na Argentina. Em 1822, os homens negros adultos tinham desaparecido. No primeiro censo moderno da República Argentina, em 1868, os africanos e seus descendentes representavam apenas 9% da população total de Buenos Aires. Após a primeira epidemia de febre amarela, no censo de 1887, restaram só 1,8%. O artigo é de Carlos Abel Suárez.

Carlos Abel Suárez - SinPermiso

Recordando Dora Coledesky e Ángel Fanjul

“Quando cheguei a Córdoba, o general San Martin estava numa estância, a quatro léguas da cidade, sempre se dizendo enfermo. Estive a visitá-lo com outras pessoas, ele nos recebeu muito bem e conversou largamente sobre nossa revolução. Entre outras coisas, disse: 'Esta revolução não parece de homens, mas de carneiros”; para prová-lo, lembrou que nesse mesmo dia tinha vindo um dos peões da fazenda queixar-se de que o mordomo, que era espanhol, havia lhe dado pancadas por faltas que tinha cometido no serviço. Com isso, exclamou: 'que parece a vocês, depois de três anos de revolução, um maturrango se atreve a levantar a mão contra um americano! Esta é – repetiu – uma revolução de carneiros”!
Memórias do General José María Paz

Na América se está celebrando os 200 anos da Independência da Espanha. Para o que hoje chamamos de R epública Argentina se trata da Revolução de Maio. Exatamente em 25 de maio de 1810 começou o longo e tumultuado processo de uma organização política autônoma da coroa espanhola. Estão programados atos, discursos, inaugurações, notas nos jornais, ensaios e um mercado de produtos comemorativos.

A próspera Argentina do Centenário já conheceu estas pompas em maio de 1910. A Princesa Isabel de Bourbon e sobrinha de Alfonso XIII, conhecida também como “a Chata”, ou Georges Clemenceau, entre as numerosas personalidades convidadas, desfilaram por Buenos Aires, uma das cidades do mundo que valia à pena visitar naqueles dias de abundância, ao menos para alguns.

As bandeirolas e o espumante não foram compartilhados por todos. Os anarquistas tinha convocado uma greve geral em protesto contra a brutal e sistemática repressão desencadeada um ano anos, desde a manifestação do 1° de Maio de 1909. Nas vésperas do Centenário, o Congresso decr etou o estado de sítio, em 13 de maio. A medida não deteve os “grupelhos” dos senhorios ultranacionalistas que assaltaram, destruíram e incendiaram as gráficas de La Vanguardia e La Protesta, os jornais socialista e anarquista. Essas gangues foram protegidas pelo chefe de Polícia, o então coronel Dellepiane que, já como general com maior experiência, dirigiu mais tarde a repressão na chamada Semana Trágica de 1919. Retornando às crônicas dos atos não previstos no protocolo do Centenário, a política chegava aos locais quando as chamas já haviam feito seu trabalho, e contam que, quando entraram no local que antes fora a gráfica do La Vanguardia, encontraram seu diretor, Juan B. Justo, que detiveram para averiguação de antecedentes criminais.

Esses “grupelhos”, que ao longo da história argentina tomaram outros nomes – Liga Patriótica, Alianza Nacionalista, CNU ou Triple A, etc – não se limitaram a atacar à s imprensas socialistas ou anarquistas. Aos gritos de “Viva a Pátria, viva a Polícia”, assaltaram e incendiaram o circo popular de Frank Brown, o palhaço da cidade, atacando com particular sanha os judeus e os centros culturais de outros imigrantes (que nesses dias superavam 40% dos habitantes da cidade de Buenos Aires) e várias escolas identificadas com o laicismo. Em 27 de maio de 1910, como chave de ouro dos festejos pátrios, o Congresso votou a Lei de Defesa Social, que ampliava e aprofundava a bestial Lei de Residência, a 4144, pela qual se podia expulsar do país qualquer estrangeiro que perturbasse a segurança nacional ou a ordem pública. Esta lei racista esteve em vigor durante grande parte do século XX. Foi derrogada há pouco, por Arturo Frondizi, em julho de 1958, em parte porque já havia instrumentos repressivos mais eficientes, como a Commoción Interior ou o Plano Conintes, que foram maciçamente aplicados.

Mas voltemos ao princípio. A historiografia tradicional construiu vários mitos ao redor do processo da independência. Necessários, por certo, para maquiar as origens das classes dominantes, que além de algumas poucas baixas, manteve sua hegemonia durante esses 200 anos. Classe dominante com instantes fugazes de assumir o papel de uma classe dirigente. De todo modo, seus fantasmas se podem encontrar nos homens das ruas, especialmente nas da cidade de Buenos Aires.

A propósito do Bicentenário se reciclam velhas polêmicas e se instalam outras, porque, como advertia o grande historiador britânico Edward H. Carr: “a história é um diálogo sem fim entre o presente e o passado”. De modo que a revolução de Maio e a Independência podem nos dar algumas pistas de como chegamos até aqui. Porque, embora com todas as desventuras e desigualdades galopantes das últimas décadas, o que se tornou a República Argentina ainda figura no pelotão que encabeça o índice de Desenvolvimento Huma no da ONU.

Historiadores de todas as correntes corroboram, com bons argumentos, o processo que começou no Vice-reinado do Rio da Prata em maio de 1810, com o antecedente da reconquista das invasões inglesas, em 1806 e 1807, como parte do mesmo fenômeno independentista que tomou conta de toda a América Hispânica nesses mesmos anos. Sem embargo, foram as particularidades que determinaram o rumo definitivo de cada região e de cada país, inclusive do Brasil, na geopolítica do capitalismo do século XIX (Ver entrevista com Tulio Halperín Donghi).

Ainda restam cinzas dos debates apaixonados sobre o caráter da revolução independentista. Na tradição da esquerda, muitos foram os que buscaram adaptar os conhecimentos e os atores aos esquemas de um marxismo simplificado, quando não tergiversado. Havia de se demonstrar o caráter “democrático-burguês” da Revoluç ão de Maio. Assim, batizou-se como “jacobino” a Mariano Moreno, José Castelli e Bernardo Monteagudo, entre outros, não pelas relações sociais e pelas idéias que expressavam, mas pela necessidade de uma história de acordo com esse esquema supostamente clássico, sem importar a sincronia dos acontecimentos.

No caso de Robespierre praticaram sem recato a falsificação histórica que o qualificou como o sanguinário da Revolução Francesa, uma espécie de terrorista de Estado (1). E nessa comparação se catalogou a Moreno e a Castelli, por não terem hesitado em exercer a violência e os fuzilamentos contra seus adversários. Com efeito, essa leitura de segunda ou terceira mão da Revolução Francesa levou algumas autores, como hoje a seus seguidores, a ficarem com a idéia de que a Revolução Francesa nada mais foi do que uma clássica “revolução burguesa”. E aqui se dividem as opiniões, entre quem afirma o caráter “democrático-burguês” do 25 de Maio, dado o seu caráter popular, buscando os sans-culottes crioulos e aqueles que rechaçam essa idéia, que sustentam que não havia burguesia local capaz de assumir essas tarefas. As duas versões, porém, coincidem na ignorância de que o ódio que Robespierre despertou, a demolição e demonização de seu papel, enfim, pelo que perdeu sua cabeça na guilhotinha, deveu-se à defesa sustentada por ele da abolição da escravatura nas colônias; e o programa dos jacobinos que representava a plebe, o povo simples.

“De todos os direitos, o primeiro é o de existir. Para tanto, a primeira lei social é aquela que garantiria a todos os membros da sociedade os meios para existir. Todas as demais leis estão subordinadas a esta lei social” (2), é por causa da defesa dessas idéias que Robespierre foi difamado.

Por sua parte, Moreno, advogado de Martin de Álzaga, o principal traficante de escravos do Rio da Prata, foi o autor da “ Representação dos fazendeiros”, ou seja, um militante consequente e tenaz do livre comércio, de pôr o fim no monopólio comercial que atava Buenos Aires ao Reino de Espanha. Moreno, ademais, segundo Vicente Fidel López, era um “católico exagerado, que chegava à devoção de passar semanas em exercícios espirituais, dando chicotadas em si mesmo”. Há que forçar em demasia para encaixá-lo no retrato dos jacobinos.

Contudo, a geração da Independência – Moreno, Castelli, Belgrano, San Martin e outros – sequer chegaram a se pronunciar pela República e defendiam o livre comércio. Em consequência, mantiveram a bússola orientada para Londres, a meca da avassaladora Revolução Industrial. Essas coisas não merecem interesse histórico e político para os acontecimentos [e a historicidade] da Independência e de seus protagonistas.

Foi o peruano José Carlos Mariátegui que qualificou, já na metade do século XX, como “falsa repúbl ica” ao Peru, que se tinha constituído sob as classes dominantes, deixando ao lado os povos originários. O conceito podia ser aplicado a outras partes da América Latina.

Em que, porém, o caso argentino é igual? A literatura sobre as diferenças de civilizações que a colonização espanhola encontrou no Peru e no México, dos territórios quase despovoados e do que mais tarde foi o Vice-Reinado do Rio da Prata abunda.

Foi uma necessidade especificamente geopolítica que impulsionou a idéia de instalar uma burocracia colonial em Buenos Aires: o Vice-Reinado. Não foram os recursos naturais e a existência de civilizações e cidades com grande densidade de população, que os colonizadores se encarregaram rapidamente de explorar e integrar às correntes comerciais do capitalismo em desenvolvimento. No caso das Províncias Unidas do Sul não é tão evidente a correspondência de seu desenvolvimento econômico, político e social com a tese de fa lsas repúblicas, de Mariátegui. Falta investigar, explorar sob a superfície dos sucessos e do movimento social. Para isso é fundamental recorrer a importantes contribuições acadêmicas de Halperin Donghi, Sergio Bagú, Aldo Ferrer, Alberto J. Pla, José Luis Romero e outros que, sem ser acadêmicos, deram boas pistas para não nos perdermos nos jardins mortos dos velhos e novos pós-modernos.

Os negros no Rio da Prata
“Ninguém luta por uma multidão, nem se abandona a uma choradeira fúnebre perante a lápide de uma abstração”
Mike Davis

O cirurgião Juan Caytenao Molina, um dos precursores do sanitarismo no Rio da Prata, liderou uma das primeiras batalhas entre a saúde pública e os interesses privados. Martín de Álzaga, como já dissemos, homem de poder político e econômico e traficante de escravos, recebia em Montevidéu seu barco, El Joaquín, com um carregamento de negros proced entes de Moçambique. Molina, que estava a cargo de uma junta sanitária que devia inspecionar os navios negreiros no porto de Montevidéu, diagnosticou um surto de varíola que tinha provocado numerosas mortes no El Joaquín durante a travessia, pondo a embarcação em quarentena. Aquelas alturas, a varíola tinha provocado estragos, especialmente entre os negros que chegavam debilitados e com imunidade baixa – pela ausência de enfermidades no meio natural onde foram caçados e embarcados. Álzaga rechaçou a quarentena e manobrou judicialmente, usando seu poder econômico e sua influência política para pôr em dúvida a competência científica de Molina. O sanitarista aproveitou a oportunidade para replicar, embora tenha perdido sua causa, e pôde qualificar de execrável o tráfico negreiro, recordando, ademais, que a varíola tinha provocado a morte de quase 2000 pessoas (principalmente escravos) em 1793, em Buenos Aires.

“Com os progressos da prod ução capitalista durante o período manufatureiro, a opinião pública da Europa perdeu os últimos vestígios de pudor e consciência que ainda lhe restavam”, disse bem Karl Marx, no capítulo XXIV (Sobre a Acumulação Originária) de O Capital.

Marx acrescenta que: “Em 1730, Liverpool dedicava 15 barcos ao comércio de escravos; em 1751 já eram 53; em 1760, 64; em 1770, 96; em 1792, 132 (...). Enquanto implantava a escravidão infantil na Inglaterra, a indústria algodoeira servia de incentivo para converter o regime mais ou menos patriarcal de escravidão dos EUA num sistema comercial de exploração. Em geral, a escravidão escondida dos trabalhadores assalariados na Europa exigia, como pedestal, a escravidão sans phrase no Novo Mundo” (3).

Até 1739 a Real Companhia da Inglaterra, com quase cinquenta súditos britânicos trabalhando na sucursal de Buenos Aires, tinha a quase exclusividade do negócio negreiro no Rio da Prat a. Isso é a mostra evidente dos vínculos comerciais muito consolidados com a Inglaterra, ainda antes da constituição do Vice-reinado, em 1776.

Os milhares de negros que ingressam por Buenos Aires, em sua maioria não ficam na região. Era vendidos e trasladados para trabalhar na exploração das minas no Peru, via Chile. Ainda não havia como fazer com que o capital se reproduzisse na planície pampeana.

Embora se calculasse que o tempo médio de vida de um escravo fosse de 7 anos, desde que chegava a seu destino (o qual requeria a fortaleza sobrehumana de suportar o cativeiro na viagem), nem todas as relações entre os proprietários e escravos eram brutais. Também houve as relações de tipo patriarcal. Por exemplo: os padres Agostinianos possuíam em Mendoza uma das maiores bodegas da região, onde escravos negros e índios trabalharam durante muito tempo fabricando vasilhames onde se transportava o vinho para outras regiões. Segundo testemunh os, com os anos se formaram em artesões habilidosos e conseguiram, antes de 1810, condições de trabalho um pouco mais leves que as de uma linha de montagem numa fábrica fordista. Sem falar das atuais fábricas no setor informal de nossas economias.

Os dados sobre o número de escravos negros que ingressarem pelo Rio da Prata não são precisos; para alguns pesquisadores, desde a chegada dos espanhóis até 1813, somando os que foram registrados e os contrabandeados, esse número havia superado a casa dos 2 milhões. Tampouco estão documentados todos os fatos que determinaram a diminuição da proporção de negros existentes no começo do século XIX, em relação com a população local, com a de cem anos depois.

A pesquisadora Marta Goldberg, precursora no estudo do tráfico negreiro no Rio da Prata, estima que a população negra constituía 18% do total, em 1774. Passou a 25% em 1778 e a 30% em 1807. Em 1810, durante a independência, uma terç a parte da população era escrava, e em Córdoba, durante esses anos, a metade era mulata (4). Há dados que nos dão um indício do porquê que essa relação não se manteve na composição da população argentina: enquanto que em 1810 havia uma paridade entre homens e mulheres negras, em 1822 os homens negros adultos haviam desaparecido. No primeiro censo moderno da República Argentina, em 1868, os africanos e seus descendentes representavam apenas 9% da população total de Buenos Aires, e depois da primeira epidemia de febre amarela, no censo de 1887, restaram só 1,8%.

A leva da guerra de Independência, das guerras civis e da guerra contra o Paraguai, mais as pestes tinham feito seu trabalho.

San Martin, em Mendoza, formou toda a infantaria do Exército dos Andes com negros, pardos e mulatos, quase todos escravos, que o Estado comprou a seus proprietários, com bônus que dificilmente foram cancelados.

Nos conflitos internos e exter nos, os negros, os índios, mestiços e mulatos sempre foram bucha de canhão, no período colonial e posteriormente, nas guerras independentistas e civis. À frente dessas levas, onde se prometia liberdade ou melhores de vida esteve o conquistador Pedro de Cevallos. Para quem lida com esse conceito tão ambíguo, o “populismo”, este seria um dos primeiros populistas destas terras. Em 1777 Ceballos desajolou os portugueses da estratégica cidade da costa oriental do Rio da Prata, Colônia de Sacramento, com tropas formadas por escravos negros e pardos. Prometeu-lhes a liberdade depois da vitória, claro. Uma promessa que não cumpriu. Aplicou a mesma metodologia na ocupação para a coroa espanhola de Santa Catarina, no Brasil. Outro especialista nessas lidas foi o “herói” da Reconquista, e depois vice-rei, Santiago de Liniers, mais tarde fuzilado por Castelli sob a acusação de conspirar contra o primeiro governo pátrio. Liniers, segundo a crônica, era muito pop ular entre os negros, em que pese ter sido um dos negociantes com autorização da Espanha para comercializar escravos.

Durante muitos anos os manuais escolares argentinos ensinaram que a Assembléia do ano XIII tinha posto fim à escravidão. Mais tarde soubemos que, na realidade, os representantes de algumas das províncias tinham decretado o ventre livre e suprimido o tráfico de escravos. Isso significava que o filho de uma escrava deixava de ser propriedade do amo apenas quando chegasse à maioridade, não antes.

Essas medidas chegaram com dois anos de atraso, pois nos territórios espanhóis, já em abril de 1811, se havia proibido o tráfico de escravos, quer dizer, não se autorizava mais a lucrativa atividade dos navios negreiros. Mesmo assim, as Cortes de Cádiz, em maio de 1812, estabeleceram “que todo escravo era livre só pelo direito de pisar em território espanhol”.

Esse critério também foi adotado aqui em Buenos Aires p ela Assembléia do ano XIII. Ainda assim se seguiu comprando e vendendo seres humanos ao menos até logo após a entrada em vigor da Constituição de 1853. Nas sucessões e declarações de bens figuravam os escravos como parte dos direitos de propriedade. Também houve formas refinadas de escravidão. Por exemplo, Rosas, que tinha escravo negros em suas fazendas, trouxe agricultores galegos, que só se tornavam livres quando tinha pago com trabalho os gastos de seu traslado e subsistência.

Nos necrológios pode se encontrar pérolas como esta:

“Félix Urioste de la Campa, nascido em Santurce, senhorio de Vizcaya, Espanha, passou pelo Rio da Prata, radicando-se na cidade de Buenos Aires; um importante fazendeiro dos Arrecifes, membro do diretório do banco da Província e do Banco Nacional, membro da primeira sociedade mineira, delegado provincial para a negociação da célebre empresa da Casa Baring Brothers, faleceu assassinado “desgraçada mente” em 27 de maio de 1835, quando pegou de surpresa no campo cinco de seus escravos carneando uma cabeça de gado, sem autorização. Levados a juízo, o Juiz de Paz de Arrecifes ordenou que os acusados fossem executados".

Em todo caso, desde a Assembléia do ano XII não houve registro do ingresso de novos contingentes de escravos africanos. Ao contrário, o tráfico seguiu sendo próspero nas colônias portuguesas. De acordo com alguns estudos, só no mercado do Rio de Janeiro se havia arrematado um milhão de escravos negros entre 1800 e 1850

Dos que viviam aqui desde tempos remotos

Em relação aos índios, a Assembléia, na seção de 12 de março de 1813 declarou extintos os tributos, a mita, as encomiendas, o yaconazgo e o serviço pessoal. Já na metade do século XVIII essas figuras da encomienda já haviam desaparecido, e as “missões” terminaram com a expulsão dos jesuítas.

Quando José Castelli chegou a Chuquisaca em 1811, editou uma proclama em castelhano e em quéchua, onde eliminava o mayorazgo e os tributos. Essa era uma forma de pôr os índios a favor da Junta de Buenos Aires. Os espanhóis, porém, também usaram a mesma política, instrumentalizando uma resolução do Conselho de Regência que beneficiava os índios. Como sempre, palavras não honradas.

Mesmo assim, a Assembléia do ano XIII reconheceu aos índios “como homens perfeitamente livres, em igualdade de direitos com todos os demais cidadãos”.

Entre seus atos soberanos, a Assembléia resolveu cunhar novas moedas de ouro e prata, abandonando os símbolos do antigo regime das moedas anteriores, para substituí-los pela pica e pelo gorro frígio. Segundo as crônicas da época, no ato realizado para celebrar o terceiro aniversário da Revolução de Maio, em consonância com o ambiente republicano que campeava na Assembléia, aparecem as autoridades da cidade de Buenos Aires e os cidadãos e mesmo algumas mulheres, com uma “boina vermelha”, no lugar de seus tradicionais sombreiros. O republicanismo havia entrado na moda, mas não convencia então a todas as cabeças.

Assim como no México e no Peru, os colonizadores desses territórios chegaram exterminando os povos originários que não puderam submeter. O grau de desenvolvimento econômico e a geografia operaram para que os conquistadores ficassem com as áreas litorâneas, até descobrirem as possibilidades a terra lhes oferecia. Mas isto aconteceu algum tempo depois; nesse período as tribos sobreviventes já haviam aprendido a utilidade do cavalo para defender seus próprios territórios. Os colonizadores, que não eram apenas burocratas ou comerciantes-contrabandistas; foram se convertendo em estancieiros. Uma oligarquia crioula esta va nascendo e, para ter um lugarzinho no mundo, já capitalista, deveria abandonar uma economia auto-suficiente e proceder a uma grande apropriação de terras. Não era suficiente recolher os couros, mercadoria de exportação, que aos milhares começaram a ser vendidos; chegava a um milhão de peças anuais no começo do século XIX. E o negócio se amplia com a charque das carnes.

Para expandir as fronteiras de suas propriedades e de seus negócios, essa oligarquia nascente tinha de eliminar os índios e também o gaúcho, esse personagem não enquadrado. Desde 1815, com toda clareza o governo estabelece que quem não tivesse “papeleta de conchavo”, ou seja, que não tem patrão vai preso ou se incorpora às fazendas, por um tempo indefinido. Acabou aquela coisa de andar cavalgando livremente, comendo e coureando vacas para viver. Os campos, as vacas, os cavalos e os alagados têm de ter proprietários.

O grande empreendimento de ampliar o domín io sobre a planície pampeana, desalojando os povos originários, começou com Juan Manuel Rosas em 1833 e culminou com Julio Roca, nos 80. Os procedimentos, a hipocrisia, o grau de brutalidade e as justificações não diferem em demasia dos processos de dominação territorial na América do Norte e em outras partes.

Os exércitos de ocupação se formavam com as levas de trabalhadores forçados. Uma ordem firmada por Rosas em 1831 estabelecia que cada partido devia enviar a cada 15 dias dois escolhidos entre os “homens prejudiciais por sua conduta e sem nenhuma ocupação”. (5)

Em "La Hidra de la revolución" [A Medusa da Revolução], o estupendo livro de Peter Linebaugh e Marcus Rediker (6), demonstra-se como o capitalismo universalizou os métodos de submissão. Também encontramos um paralelo nas formas também universais da resistência e da rebelião.

Em muito poucas décadas, a perversidade do capital exterminou os onas ou selk 'nam, que tinham levado uns 12 000 anos para chegar do estreito de Bering até a Ilha Grande da Terra do Fogo, onde pensaram que tinham encontrado seu lugar no mundo. Nos últimos anos do século XIX foram exterminados, de maneira planejada, por alguns recém chegados. Primeiro pagavam por uma orelha, mas quando os pagadores advertiram que alguns índios andavam sem orelhas, tinha de se levar toda a cabeça para receber o pagamento.

E esses genocídios, escamoteados ou banalizados no relato oficial da história argentina, não terminaram com a entrada no século XX.

Em 19 de julho de 1924, na localidade chaqueña [relativa a Chaco, no norte da Argentina] de Napalpi, tropas do exército e da polícia atacaram o acampamento El Aguará, onde quase um milhão de tobas, mocovies e campesinos brancos correntinos resistiam ao acosso dos latifundiários locais. O massacre no então território nacional do Chaco foi recentemente denunciada em 1987, na Fundação Juan B. Justo, durante uma coletiva de imprensa de que participaram o pesquisador José Picciuolo Valls e o historiador e jornalista Emilio J. Corbière.

Quando os tobas da região se deram conta da importância do cavalo, dominaram outras etnias chaqueñas e ofereceram resistência aos colonizadores, até que foram derrotados militarmente na segunda metade do século XIX. As melhores terras foram repartidas entre as classes dominantes, os triunfadores; os índios foram reduzidos às “reservas”. Qual foi o motivo da matança de 1924? Os índios começaram a trabalhar nas terras que lhes deixaram, numa economia de subsistência, negando-se a trabalhar para os latifundiários que cercaram seus antigos territórios. Segundo Picciulo, a resistência não teve uma característica religiosa de tipo “messiânico”. Os latifundiários asseguraram que essa economia de subsistência era um “foco” subversivo e convenceram o governador, Fernando Centeno, que era p reciso exterminá-los. Assassinaram a todos e, como troféus de guerra, cortaram orelhas, testículos e pênis, que depois foram exibidos como mostra de patriotismo na localidade próxima a Quitilipi.

Os métodos primitivos do governador Centeno (delegado do governo radical de Marcelo T. de Alvear) e dos latifundiários chaqueños não tinham a paciência britânica nem a potência da revolução industrial nas costas, para cercar os campos e “persuadir” os índios a respeito da necessidade de trabalhar. Por exemplo, em 1785, o escritor britânico William Towsend fundava sua crítica ao sistema de ajuda aos pobres nos seguintes termos:

“A fome pode amansar até os animais mais ferozes e tornar decentes e famigerados, submissos e obedientes, até os mais perversos. Comumente o único que pode induzí-los e estimulá-los ao trabalho é a fome; mas...eis que nossas leis estabeleceram que eles nunca passarão fome. Mas temos de admitir também que , por outro lado, as leis dizem que poder-se-á obrigá-los a trabalhar; só que esse recurso à força legal acarreta muitas dificuldades, violência e escândalo: origina má vontade e não pode jamais fazer render um trabalho bom e aceitável. A forme, ao contrário, não só é uma questão pacífica, silenciosa, implacável; senão que, sendo o mais natural dos motivos que há para pôr-se a trabalhar, consegue produzir os mais vigorosos rendimentos, além de que, uma vez que os famintos se satisfaçam graças à liberdade alheia, resta neles uma semente perdurável e segura de boa vontade e gratidão” (7).

A classe dominante argentina, contudo, insiste em seus métodos. Um documentário que estreou no último Festival Internacional de Buenos Aires (BAFICI, 2010), "Octubre Pilagá, Relatos sobre el silencio", dirigido por Valeria Mapelman, resgata outro massacre similiar ao de Napalpi, ocorrido 23 anos depois desse, em pleno apogeu do mercado interno e da indústria substitutiva de exportações.

A algumas centenas de quilômetros ao norte de Napalpi, num lugar chamado Rincón Bomba, próximo a Las Lomitas, em Formosa, há sobreviventes que podem contar o que aconteceu. Em outubro de 1947, durante o primeiro governo Perón, uns 2000 pilagás haviam se reunido para escutar a um líder carismático. Antes, a comunidade tinha formulado uma série de demandas às autoridades locais. No filme, os sobreviventes contam os horrores vividos naquela tarde daquele 10 de outubro, em que começou o fuzilamento levado a cabo pela polícia, uma matança que não poupou nem velhos nem crianças, nem as mulheres se salvaram das violações que estão nos manuais dos escritos dos exércitos de ocupação de todos os tempos. Por vários dias continuaram buscando e matando a todos os que tinham escapado, com o propósito de não deixar um só testemunho. Disso se faz a transcendência desse documentário que põe luz sobre estes f atos até agora ocultos.

Por outro lado, a coincidência nas formas religiosas em que se expressam os protestos e a rebeldia, em Napalpi e dos pilagá, não é uma novidade. Como Linebaugh e Rediker o recordam muito bem, com dezenas de exemplos, as dezenas de rebeliões de todos os proscritos da terra, o que nos remete também ao incomparável relato de Euclides da Cunha, nos Sertões, sobre a guerra de Canudos.

(1) Ver Joaquín Miras, 2005; em Republicanismo Y Democracia, María Julia Bertomeu et all, (Buenos Aires, Miño y Dávila); também Antoni Domènech, El eclipse de la fraternidad: una visión republicana da tradición socialista (Barcelona, Crítica, 2004).

(2) Citado por Daniel Raventós, em Las condiciones materiales de la libertad (Barcelona, El Viejo Topo, 2007).

(3) Karl Marx, O Capital, Tomo I, cap. XXIV (Buenos Aires, Cartago, 1969).

(4) Marta Goldberg, “La población negra y mulata de la ciudad de Buenos Aires, 1810-1840” (Buenos Aires, Desarrollo Económico, Vol. 6 n.61, 1976).

(5) Citado por Luis Franco, De Rosas a Mitre (Buenos Aires, Astral, 1966).

(6) Peter Linebaugh e Marcus Rediker, La Hidra de la Revolución; Marineros, esclavos y campesinos en la historia oculta del Atlántico (Barcelona, Crítica, 2005).

(7) Citado por Edward H. Caar, La Nueva Sociedad (México, FCE, 1969).

Carlos Abel Suárez é membro do comitê de redação de SinPermiso

Tradução: Katarina Peixoto



Fotos: Trabalhadores rebeldes da Patagônia identificados pela polícia (Autor desconhecido)

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ficha limpa é projeto demagógico, autoritário e flerta com o fascismo

DEBATE ABERTO
Carta Capital

Ficha limpa é projeto demagógico, autoritário e flerta com o fascismo
Além de violar princípio da presunção da inocência, idéia retoma projeto da ditadura que estabeleceu a cassação dos direitos políticos pela "vida pregressa". Se pessoas com "ficha suja" não podem se candidatar, por que mesmo poderiam votar? Agora mesmo, sindicalistas do RS e de SP sofrem condenações por protestos contra seus governos. Estão com a "ficha suja"?

Marco Aurélio Weissheimer

O inferno está pavimentado de boas intenções. A frase cai como uma luva para contextualizar o debate sobre os políticos “ficha-suja” e o projeto “ficha-limpa” que ganhou grande apoio no país, à direita e à esquerda. Pouca gente vem se arriscando a navegar na direção contrária e a advertir sobre os riscos e ameaças contidos neste projeto que, em nome da moralização da política, pretende proibir que políticos condenados (em segunda instância) concorram a um mandato eletivo.

A primeira ameaça ronda o artigo 5° da Constituição, que aborda os direitos fundamentais e afirma que “ninguém será condenado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Professor de Direito Penal na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Túlio Vianna resumiu bem o problema em seu blog:

“Se o tal projeto Ficha Limpa for aprovado, o que vai ter de político sendo processado criminalmente só para ser tornado inelegível…Achei que o art.5º LVII exigisse trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Deve ser só na minha Constituição. Se o “ficha-limpa” não fere a presunção de inocência, é pior ainda, pois vão tolher a exigibilidade do cidadão mesmo sendo inocente. Êh argumento jurídico bão: nós continuamos te considerando inocente, mas não vamos te deixar candidatar mesmo assim! Que beleza! Ou o cara é presumido inocente ou é presumido culpado. Não tem meio termo. Se é presumido inocente, não pode ter qualquer direito tolhido”.

Na mesma linha, o jornalista e ex-deputado federal Marcos Rolim também chamou a atenção para o fato de que o princípio da presunção da inocência é uma das garantias basilares do Estado de Direito e que o que o projeto ficha limpa pretende estabelecer é o “princípio de presunção de culpa”. Além disso, Rolim lembra que a idéia de ficha limpa não é nova e já foi apresentada no Brasil, durante a ditadura militar:

“Foi a ditadura militar que, com a Emenda Constitucional nº 1 e a Lei Complementar nº 5, estabeleceu a cassação dos direitos políticos e a inegibilidade por “vida pregressa”; vale dizer: sem sentença condenatória com trânsito em julgado”.

E se a idéia de ficha limpa é pra valer, acrescenta o jornalista e ex-deputado federal, por que não aplicá-la também aos eleitores:

“Se pessoas com “ficha suja” não podem se candidatar, por que mesmo poderiam votar? Nos EUA, condenados perdem em definitivo o direito de votar, o que tem sido muito funcional para excluir do processo democrático milhões de pobres e negros, lá como aqui, “opções preferenciais” do direito penal. E a imprensa? Condenações em segunda instância assinalam uma “mídia ficha suja” no Brasil?”

Mas talvez a ameaça mais grave, e menos visível imediatamente, que ronda esse debate é a incessante campanha de demonização dos políticos e da atividade política, impulsionada quase que religiosamente pela mídia brasileira. Rolim cita como exemplo em seu artigo uma charge publicada no jornal Zero Hora sobre o tema: na charge de Iotti, políticos são retratados como animais peçonhentos, roedores, aracnídeos e felinos.

Nos últimos anos, diversas pesquisas realizadas em vários cantos do planeta registraram um crescente descrédito da população em relação à política e aos políticos de um modo geral. Prospera uma visão que coloca a classe política e a atividade política em uma esfera de desconfiança e perda de legitimidade. A tentação de jogar todos os partidos e políticos em uma mesma vala comum de oportunistas e aproveitadores representa um perigo para a sobrevivência da própria idéia de democracia. O que explica esse fenômeno que se reproduz em vários países? A política e os políticos estão, de fato, fadados a mergulhar em um poço sem fundo de desconfiança? Essa desconfiança deve-se unicamente ao comportamento dos políticos ou há outros fatores que explicam seu crescimento?

É sintomático que o debate sobre a “ficha limpa” apareça dissociado do tema da reforma política. Eternamente proteladas e engavetadas, as propostas de uma mudança na legislação sobre as eleições e o financiamento das campanhas não obtém mesmo o alto grau de consenso e mobilização. Vale a pena lembrar de uma observação feita pelo filósofo esloveno Slavoj Zizek acerca do papel da moralidade na política. Ele analisa o caso italiano, onde uma operação Mãos Limpas promoveu uma devassa na classe política do país. Qual foi o resultado? Zizek comenta:

“Sua vitória (de Berlusconi) é uma lição deprimente sobre o papel da moralidade na política: o supremo desfecho da grande catarse moral-política – a campanha anticorrupção das mãos limpas que, uma década atrás, arruinou a democracia cristã, e com ela a polarização ideológica entre democratas cristãos e comunistas que dominou a política italiana no pós-guerra – é Berlusconi no poder. É algo como Rupert Murdoch vencer uma eleição na Grã-Bretanha: um movimento político gerenciado como empresa de publicidade e negócios. A Forza Itália de Berlusconi não é mais um partido político, mas sim – como o nome indica – uma espécie de torcida”. (Às portas da revolução", Boitempo, p. 332)

A eleição de políticos de “tipo Berlusconi” mostra outra fragilidade dessa idéia. Marcos Rolim desdobra bem essa fragilidade:

Muitos dos corruptos brasileiros possuem “ficha limpa” – especialmente os mais espertos, que não deixam rastros. Por outro lado, uma lei do tipo na África do Sul não teria permitido a eleição de Nelson Mandela, cuja “ficha suja” envolvia condenação por “terrorismo”. Várias lideranças sindicais brasileiras possuem condenações em segunda instância por “crimes” que envolveram participação em greves ou em lutas populares; devemos impedir que se candidatem?

Agora mesmo, cabe lembrar, no Rio Grande do Sul e em São Paulo lideranças sindicais estão sofrendo condenações por protestos realizados contra os governos dos respectivos estados. Já não estão mais com sua ficha limpa. Os governantes dos dois estados, ao contrário, acusados de envolvimento em esquemas de corrupção, de autoritarismo e de sucateamento dos serviços públicos seguem com a ficha limpíssima. É este o caminho? Uma aberração político-jurídica vai melhorar nossa democracia?


Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Por que a América hispânica não se tornou uma só nação

Considerado um dos principais historiadores argentinos, Tulio Halperín Donghi, seguiu o destino de muitos intelectuais argentinos expulsos por uma ordem vertical e sem dissenso nas universidades: foi viver no exterior. Sin Permiso resgatou entrevista concedida por Tulio Halperín em 1997 ao jornal Clarín. Nela, o professor analisa o processo de independência da América Espanhola e a idéia de integração latinoamericana. "No esquema administrativo espanhol não existia uma unidade (burocrática) para as colônias, mas entidades separadas entre si, cada uma vinculada a uma metrópole. Os laços mais fortes foram construídos com a Europa e não entre os vice-reinados", analisa.

Daniel Ulanovsky Sack - Clarín (Sin Permiso)

Reproduzimos esta entrevista que Daniel Ulanovsky Sack fez com Tulio Halperin Donghi para o jornal Clarín, em fins de 1997. Tulio Halperin Donghi teve o destino que perseguiu a muitos intelectuais argentinos: abandonar uma nação que a partir da Noite dos Bastões Largos do general Onganía impôs uma ordem vertical e sem dissenso nas universidades. Clima ruim para um historiador especializado nas lógicas políticas e nas raízes institucionais do país. Assim, há trinta anos, Tulio Halperín Donghi vive nos Estados Unidos, onde é professor emérito da Universidade da Califórnia, em Berkeley e figura como principal quadro do Departamento de História Latinoamericana.

Quando da independência da América Espanhola havia a idéia de integração latino-americana?
THD – A América Espanhola era vista como uma unidade: todas as regiões haviam se desgarrado da metrópole quando Napoleão invadiu a Espanha e prende u Fernando VII. Nas colônias foi necessário organizar o governo local de outra maneira, e num primeiro momento se teve uma perspectiva continental. Se se analisa as propostas de Mariano Moreno para realizar um congresso americano, dá-se conta de que ela incluía os territórios dos vice-reinados. Esta idéia, elaborada em 1810, sequer teve início e já dois anos mais tarde, no que em seguida passaria a ser o Hino Nacional Argentino, chamavam-se de Províncias Unidas del Sur e da Nova e Gloriosa nação. Já não se fazia referência a toda a América Hispânica, mas ao antigo vice-reinado do Rio da Prata.

O que aconteceu em apenas dois anos, para que a idéia da união fosse abandonada?
THD – Surgiu uma alternativa que encarnava a realidade de uma maneira mais clara. As revoluções americanas tinham ocorrido através de focos separados em cidades distintas, ilhados e, amiúde, entre eles. Estes focos foram assumindo identidade própria nas guerras contra a coroa e em pouco tempo se constituíram em unidades geográficas que depois dariam na formação das nações independentes.

Esta explicação serve para entender por que a América Hispana tanto se atomizou, à diferença da anglo-saxã, que restou constituída em dois grandes países?
THD – Não diria que a atomização foi tão grande. No esquema administrativo espanhol não existia uma unidade [burocrática] para as colônias, mas entidades separadas entre si, cada uma vinculada a uma metrópole. Os laços mais fortes se construíam com a Europa e não entre os vice-reinados. Dito isso, reconheço que algumas zonas se fragmentaram, como foi o caso da América Central e do vice-reinado de Nova Granada, do qual surgiram Equador, Colômbia e Venezuela. Mas a unidade desse vice-reinado havia sido muito débil já na época colonial.

E o Rio da Prata?
THD - Aqu i houve uma atomização real, cuja razão não é mistério algum e está ligada à incapacidade do foco revolucionário de Buenos Aires para incluir o Alto Peru de forma sólida.

Os portenhos desprezavam essas zonas que pareciam afastadas e fora do alcance modernizador do porto?
THD – Não, essa interpretação é insustentável. É certo que em Buenos Aires não existia nenhuma simpatia pelos altoperuanos. Mas ao mesmo tempo a vontade de controlar as minas de prata e da região se impunham a qualquer outro sentimento. Os dirigentes revolucionários do Rio da Prata tentaram três vezes se apoderar do Alto Peru.

Antes perguntei se a América Latina havia se atomizado. Agora inverto o sujeito: por que a América saxã se integrou?
THD – No momento em que as colônias inglesas que formaram os Estados Unidos se uniram, ocupavam um território muito menor e menos povoado que o da América Hi spânica. O mesmo se passava com a população; eram apenas 3 milhões de pessoas e só no território do México habitavam o dobro de pessoas. Além do mais, para sua guerra de independência tinham criado uma autoridade acima dos distintos estados, e isso já formou um precedente. Quando essa união começou, contudo, a situação do país era bastante precária. Depois foram se conseguindo muitos êxitos até se converterem na primeira potência do mundo.

E a América Latina, como era o projeto de integração sustentado por Bolívar?
THD – Mais que uma confederação entre os diversos estados, buscava uma aliança permanente, mas bastante frouxa, com um protetor externo que devia ser a Inglaterra. Bolívar advertiu que com a independência dos territórios americanos e o triunfo dos focos revolucionários havia perdido certa ordem da época colonial que tratou de regenerar. Foi um momento bastante conservador de sua vida.

De que maneira queria conseguir essa aliança permanente entre os novos estados?
THD – Bolívar tinha ganhado influência numa grande reigão da América. A base desse poder estava no predomínio militar, através dos exércitos que lhe eram subordinados, dirigidos – em grande medida – por oficiais chegados de diferentes regiões. O mesmo Bolívar dizia que a independência do Equador tinha sido, na realidade, sua conquista pelos militares do antigo vice-reinado de Nova Granada, com sede em Bogotá. Mas as cúpulas desses exércitos terminaram desregrando-se: terminava sendo muito custoso mantê-las e os chefes queriam regressas a suas terras. Dessa maneira, a coluna vertebral do projeto se enfraqueceu.

San Martin tinha algum postulado sobre a união Hispanoamericana?
THD – Em geral se conhece seu pensamento a partir da interpretação feita por Mitre. Dado que em San Martin faltava um pro jeto iberoamericano, Mitre interpretou que ele tinha defendido uma idéia alternativa, baseada em pátrias nacionais. A partir dessa visão, supõe-se que as ações de San Martin fora do território nacional tiveram como missão principal a defesa da independência argentina e, em especial, a eliminação da ameaça da realeza. De certa forma isso era certo, mas se se pesquisa nos textos de San Martin vê-se que a liberação do resto da América também aparecia como um objetivo. Em uma coisa, porém, Mitre tinha razão. San Martín não deixou nenhum testemunho sobre a necessidade de uma América hispânica unida.

Se avançarmos na história, quando e de que maneira se volta a falar de uma política integradora?
THD – Eu mencionaria um movimento que começou em fins do século passado, vinculado ao que, sem qualquer intenção pejorativa, denominava-se de projetos imperialistas. A partir dessa idéia, as grandes potências const ituíam zonas de influência sobre a base do predomínio econômico e, às vezes, político. O sonho de toda nação poderosa era unir toda a sua zona com um trem (ferrocarril). Assim, a Grã Bretanha tinha um projeto de estender ferrovias do Cairo até a Cidade do Cabo; a Alemanha, de Bergim a Bagdá e nos Estados Unidos um líder do partido republicano da época propôs construir vias que atravessassem toda a América e chegassem até o Cabo Horn.

Unidos ou dominados
Mais do que uma integração, essa idéia tendia a construir uma América liderada pelos Estados Unidos.
THD – É que já se refletia a nova estrutura de poder. No entanto, essa proposta encalhou logo no início em benefício de uma outra muito mais burocrática: a União Panamericana, que teve realizações modestas mas que abriu numerosos postos de trabalho para diplomatas, talvez tenha sido essa sua grande virtude. Esta união conseguiu uma t arifa de franquia preferencial para todo o continente. Porém, enquanto os Estados Unidos se esforçavam para acentuar seu papel, na América Latina uma idéia de solidariedade frente ao seu avanço, às vezes agressivo e violento, como foi a guerra com a Espanha pela ilha de Cuba.

Esta solidariedade era retórica ou se lhe dava um marco institucional?
THD – Bom...era feita de gestos. Não se falava de unificação política, nem sequer de confederação entre os países da América Latina. Mas durante essa guerra houve vários atos em Buenos Aires de adesão a Espanha: consideravam-na a única alternativa à norte-americanização da ilha. Nesses reuniões havia muitos intelectuais, e Paul Groussac, o diretor da Biblioteca Nacional em fins do século passado chegou a participar.

Se nos adiantarmos umas décadas, vemos que Perón dizia que no ano 2000 iríamos nos encontrar unidos ou dominados. Ele se referia a Amér ica Latina?
THD – O pensamento de Perón é um enigma no qual não pretendo entrar.

Anime-se...

THD – Perón era um homem de enorme inteligência mas não um pensador original nem um criador de ideologia. Continuou uma postura muito argentina de disputar a liderança da América Latina com os Estados Unidos. Essa confrontação era bastante antiga. Roque Sáenz Peña já sustentava a idéia da América para a humanidade como forma de contrapor a “América para os americanos”, que os Estados Unidos defendiam. Como nessa época a Argentina estava bastante mais desenvolvida que o resto da América Latina, era comum que víssemos como barreira regional a hegemonia de Washington.

A Idéia de Perón de disputar a liderança dos EUA foi só discursiva?
THD – Houve algo mais que retórica. Mas encontramos algo curioso. Perón reforçou essa visão de estende r a influência argentina no momento em que decidiu aproximar-se dos Estados Unidos. Isso tem lógica: seu avanço só seria tolerado se fosse visto dentro de um marco de predisposição amistosa.

Uma espécie de sub-liderança?
THD – Menos que isso, era algo mais informal. De todo modo, a Argentina peronista era confusa: reunia simpatias em setores da esquerda latino-americana enquanto que as forças progressistas do próprio país lhe eram adversárias.

Em que se baseava essa simpatia conquistada no exterior?
THD – Na certa independência que exibia. Mesmo em seus momentos mais pro-norteamericanos, Perón observava certos limites em seu alinhamento com Washington. Os mexicanos atuavam de forma similar: não confrontavam nos temas centrais mas eram pródigos em gestos que ilustravam uma independência formal. Assim, pouco antes da invasão de 1954, ao regime de Arbenz na Guatemala, reali zou-se uma reunião dos países americanos onde se votou uma resolução hostil à presença de qualquer regime influenciado pelo comunismo no continente. Houve só um voto contra – da mesma Guatemala – e duas abstenções: a argentina e a mexicana. Inclusive, depois da Revolução Libertadora, a revista Sur, de Victoria Ocampo, publicou um artigo onde se reconhecia a simpatia que Perón havia ganhado na Guatemala, fato que nunca deixou de surpreender aos intelectuais locais.

Já na atualidade, como você analisa o processo de integração do Mercosul e, vendo mais além, as iniciativas de criar a zona de livre comércio continenal?
THD – O Mercosul se dá como resultado da necessidade mais do que como corolário de uma evolução ideológica. E partilha uma lógica com a iniciativa estadunidense de livre comércio: são projetos que abrem novos espaços mas ao custo de se fechar para outras áreas do mundo. Os discursos atuais têm algo de contraditório: fala-se da globalização e da abertura externa mas se potencializam as idéias que fortalecem os blocos regionais. Parece-me demasiado cedo para que um historiador diga o que vai acontecer; por ora só observo o paradoxo.

Publicado originalmente no Clarín, 14 diciembre 1997

Tradução: Katarina Peixoto

domingo, 16 de maio de 2010

"O capitalismo de desastre é uma resposta à crise" Matéria publicada na Carta Maior

O capitalismo de desastre não é um novo tipo de capitalismo, um novo sistema, " mas é um sistema aperfeiçoado”, explica Vânia Cury, professora de História da UFF, comentando um livro recente de Naomi Klein. Em entrevista a IHU On-Line, Vânia analisa o livro “A doutrina do choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre” e reflete sobre situações de conflito que permeiam a atualidade. “Essa exploração das situações de crise afetam as coletividades humanas, nos paralisa diante do medo, e nos torna impotentes diante da realidade”.

Instituto Humanitas/Unisinos (IHU On-line)

Conheça o site do Instituto Humanitas/Unisinos

Criado pela jornalista e ativista canadense, Naomi Klein, o conceito de capitalismo de desastre revê questões relacionadas à obtenção de lucro em meio à calamidade. Segundo a professora do Instituto de Economia da Universidade do Rio de Janeiro, Vânia Cury, “essa exploração das situações de crise afetam as coletividades humanas, nos paralisa diante do medo, e nos torna impotentes diante da realidade”. Em conversa, por telefone, com a IHU On-Line, Vânia analisa o recente livro de Naomi Klein “A doutrina do choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre” e reflete sobre situações de conflito que permeiam a atualidade.

Segundo a professora, as pessoas já estão prontas para mudar em relação à situação do capitalismo atual e têm muita vontade de fazer isso. “A grande contribuição do livro de Naomi Klein, a meu ver, é exatamente essa. Embora ela faça um relato que pode nos parecer extremamente pessimista, dadas as condições que ela analisa o desenvolvimento do capitalismo, mostra também que há diversas formas de reação se esboçando no mundo. Elas são muito fragmentadas, estão desconectadas e espalhadas, mas há sim algumas iniciativas que vão sendo feitas no sentido de reunir essas forças e dar a elas uma consistência mais forte e mais integrada”, diz.

Vânia Maria Cury possui graduação em História pela Universidade Federal Fluminense, mestrado e doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente, é professora aposentada da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Confira a entrevista.
< br />IHU On-Line – Para começar, a senhora pode nos explicar qual a ideia do termo “Capitalismo de desastre”?

Vânia Cury – O termo foi cunhado pela jornalista Naomi Klein, que desenvolve uma análise muito profunda e bem detalhada no livro “A doutrina do choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre”, publicado recentemente. Ela mostra que, na fase atual em que o capitalismo se encontra, o que acontece é uma exploração das situações de crise, de calamidade pública e de desastre, que ameaçam e afetam coletividades humanas para que o capital tire proveito do medo, que toma conta das pessoas e grupos sociais, para obter lucros cada vez maiores.

Um dos exemplos que Naomi usa é o tsunami, que arrasou uma parte significativa das praias do sudeste asiático. O que se viu foi que a recuperação daquelas regiões afetadas pela onda foi totalmente determinada pelos interesses lucrativos dos grandes grupos econôm icos que ali se instalaram imediatamente após a catástrofe. Eles vêm para reconstruir e reorganizar tudo o que foi destruído. Neste caso, foi um desastre natural, mas Naomi trata também de desastres provocados pelo homem, como guerras, conflitos e rebeliões. Outro exemplo que ela usa e trata detalhadamente é o furacão Katrina, nos Estados Unidos, que também provocou uma desorganização muito grave na cidade de Nova Orleans, afetando sobretudo os bairros de população negra e pobre. Lá, também, da mesma forma que em outras oportunidades analisadas em seu livro, a recuperação é pautada pelos interesses lucrativos daqueles que irão explorar novas condições originadas pelo desastre.

O Katrina fez com que grande parte dos terrenos que foram afetados acabasse resultando na expulsão da população que lá morava originalmente. Essas áreas foram reformuladas com a sua conveniente transformação em bairros de classe média, que foram programados e re construídos segundo os interesses do capital imobiliário local e que trouxeram lucros espetaculares.

IHU On-Line – Isso aconteceu também em países como o Haiti, que viveu intervenções de diversos países em função dos terremotos de janeiro deste ano?

Vânia Cury – Naomi Klein não aborda o caso do Haiti em seu livro, mas aborda em seu site, onde mantém atualizadas todas as suas opiniões, pesquisas, entrevistas e trabalhos. Naomi é uma ativista política e uma intelectual incansável. E faz este paralelo com o terremoto no Haiti. Ela considera não o desastre em si como uma manifestação do desejo do grande capital nas suas mais variadas formas, mas mostra que a recuperação, mais uma vez no caso do Haiti, terá, na sua dianteira, interesses econômicos solidamente organizados que irão determinar a maneira pela qual essa recuperação vai se dar, trazendo para eles lucros fabulosos. Isso tudo sempre em detrime nto dos reais interesses da população que vivia no local afetado pelo desastre.

A mesma coisa Naomi faz com relação às grandes áreas litorâneas do sudeste asiático. Estas tinham uma ocupação circular de pequenas comunidades de pescadores artesanais, com famílias muito pobres e que subsistiam de pequenas atividades e foram subitamente deslocadas do seu habitat natural. Esse habitat foi transformado em reservas para a construção de grandes resorts, clubes e parques temáticos, que trarão lucros fabulosos para os investidores da área de turismo e imobiliário. Essas populações perdem completamente seu meio de vida tradicional e são jogadas novamente nas periferias das grandes cidades. São, mais uma vez, expropriadas das suas condições de vida bastante antigas.

IHU On-Line – O Brasil vive ou já viveu dentro dessa ideia de capitalismo de desastre?

Vânia Cury – Seguindo a linha de análise de N aomi Klein, sim. Ela analisa todo o período de ditaduras militares na América Latina como uma das estratégias mais clássicas e passíveis de serem estudadas da doutrina do choque, do capitalismo de desastre. Neste caso, não é o desastre natural, mas o desastre causado política e militarmente, mas pode ser uma guerra, tal qual aconteceu no Iraque. Ela passa boa parte do livro mostrando como a guerra também facilita o controle, pelo grande capital, de áreas que até então ele não controlava. No caso das ditaduras latino-americanas, aconteceu a mesma coisa. Aquela situação de choque, de medo coletivo e social imposto pela força militar, repressão, prisão, tortura e exílio, enfraquece a resistência da população e facilita, portanto, que o capital assuma o controle de uma série de atividades e situações que até então não controlava, muitas vezes, por força da resistência popular.

IHU On-Line – Naomi vê bastante a questão dos Estados Unidos. Podemos dizer que o ápice desta ideia de “Capitalismo de desastre” vem do governo Bush?

Vânia Cury – Não há dúvida nenhuma de que o governo Bush é o ápice de uma situação que, no entanto, ele não criou. Ele apenas se aproveita, recrudesce, leva a extremos essa condição de doutrina do choque, tanto internamente, quando ele, em nome das leis de segurança nacional da preservação dos direitos dos EUA, que foram agredidos pelo 11 de setembro, usa esse ataque terrorista para desencadear uma reação violenta e de repressão aos direitos sociais, de organização e liberdade, que a população americana sempre valorizou muito em sua história. Essa era a imagem que eles vendiam para o mundo, de um país democrático e radicalmente livre, onde ditaduras não floresceram, regimes de exceção nunca tiveram lugar.

No entanto, a partir de 11 de setembro de 2001, todas essas virtudes do regime democrático norte-a mericano foram colocadas em cheque pelo advento de uma nova doutrina de segurança nacional, que colocava a proteção ao Estado acima de todas as formas de proteção e liberdade do indivíduo. Isso é algo novo na história dos EUA. Se pegarmos os dois séculos que o país tem de história da construção de uma cultura democrática, o paradigma do que é um Estado de direito no ocidente, essas situações de exceção criadas por Bush realmente tiveram um impacto extraordinário na história recente do país.

IHU On-Line – No caso de Santa Catarina, depois das chuvas e do próprio ciclone Catarina, bilhões de reais saíram dos cofres públicos e se somaram com as doações de solidariedade popular foram investidos na reconstrução da infraestrutura da cidade. Este é um exemplo de “Capitalismo de desastre”?

Vânia Cury – Sim, e esta é mais uma manifestação da doutrina do choque. Diante do choque, da calamidade e do desnorteamento que abala todos os seres humanos, essas empresas e os interesses capitalistas rapidamente assumem o controle e passam a tirar todas as vantagens daquela situação. Se pararmos para pensar, lembraremos, na nossa história, várias situações em que esse fenômeno está acontecendo, tanto no Brasil como fora dele. "Diante

IHU On-Line – Como a questão da sociedade do medo vai ao encontro da ideia de capitalismo de desastre?

Vânia Cury – Naomi Klein considera que essas questões andam juntas, porque ao incutir o medo nas pessoas, e esse medo é muito maior quando assume uma proporção coletiva, ele pode ser muito vantajoso para os interesses particulares, seja de uma empresa ou indivíduo. Sabemos que os ditadores, que atuaram amedrontando as pessoas, tiraram grandes proveitos dessa situação. O medo é uma forma de paralisação, e a paralisia nos deixa impotentes diante da realidade. Não conseguimos reagir, e quando isso acontece abrimos o campo para que aquele que consegue reagir ocupe todos os espaços. Essas duas questões não andam separadas, por isso Naomi diz que há todo um trabalho ideológico permanente sendo colocado para as pessoas. Ela usa o exemplo das gripes e o medo que as pessoas ficam de contrair uma doença. Voltamos a uma época de epidemias assustadoras, que matam em massa. Naomi afirma que isso tudo vai deixando as pessoas extremamente vulneráveis e, ao se tornarem assim, abrem o flanco para que os altos interesses capitalistas envolvidos assumam o controle da situação.

IHU On-Line – Depois da crise financeira, muito se falou em crise do capitalismo. O capitalismo de desastre é um novo capitalismo, em sua opinião?

Vânia Cury – Na verdade o capitalismo de desastre faz parte da crise. Não acredito que exista um novo capitalismo, o capitalismo é o mesmo. Ele vai amadurecendo, avançando sob re áreas que antes não controlava. Este não é um novo sistema, é um sistema aperfeiçoado. O capitalismo de desastre é uma resposta à crise. Ele começou a viver, nos anos 1990, o excesso de neoliberalismo e de desregulamentação, que acabou gerando uma crise de proporções extraordinárias. Quando se chega a uma situação de impasse, a saída é não reformar o capitalismo, não fazê-lo retroceder aos limites antigos, fazer com que ele seja controlado pelo Estado, regido pelos interesses sociais. Isso não aconteceu, o que houve diante da crise que se colocou pelo excesso de desregulamentação do capital foi reforçar essa desregulamentação, usando a doutrina do choque. Este é um instrumento para a exacerbação e aprofundamento da lógica perversa do desenvolvimento capitalista, tal qual vínhamos vivendo desde os anos 1980.

IHU On-Line – Em relação à ideia de crise do capitalismo, podemos dizer que as crises sociais facilitam a adoção de medidas econômicas impopulares? A senhora pode nos dar exemplos disso?

Vânia Cury – Com certeza. A crise pensada nesse sentido, não uma crise social, mas uma crise de desastre, como coloca Naomi Klein, seja um desastre natural, manifestações brutas da natureza que o homem não consegue controlar, ou provocado, como rebeliões, golpes de Estado e guerras, como vimos no Afeganistão e no Oriente Médio. Nestas situações, temos a repetição do padrão, diante da instabilidade causada pelo evento, seja natural ou provocado, o capitalismo redobra seu esforço para ampliar o controle que exerce sobre aquela sociedade. O remédio que é dado pelo sistema dominante aos sintomas da crise é sempre mais do mesmo. Ao invés de tentar dar outra solução, criar uma contrapartida ao modelo que está sendo implementado, o que se faz é aumentar o grau de vulnerabilidade da sociedade para impor medidas mais duras daquele mesmo remédio que já se tomava anteriormente.

IHU On-Line – Então, hoje as catástrofes naturais são “desculpas” para impor um reordenamento a partir da violência do Estado?

Vânia Cury – Desculpas não, são oportunidades primorosas enxergadas por esses grupos capitalistas dominantes altamente relacionados dentro dos Estados modernos. Naomi mostra isso com clareza nos Estados Unidos. Lá se tem o complexo industrial militar, a indústria petrolífera e de guerra, que hoje são forças fantásticas dentro do Estado americano, que conduzem e controlam grande parte da política dos EUA. Eles se relacionam com o mundo, baseados, fundamentalmente, na expansão dos interesses desses grandes grupos econômicos.

IHU On-Line – A senhora acha que as pessoas estão prontas para lutar por mudanças em relação à situação do capitalismo atual?

Vânia Cury – Acho que as pessoas têm muita von tade de fazer isso. A grande contribuição do livro de Naomi Klein, a meu ver, é exatamente essa. Embora ela faça um relato que pode nos parecer extremamente pessimista, dadas as condições que ela analisa o desenvolvimento do capitalismo, mas mostra também que há diversas formas de reação se esboçando no mundo. Elas são variadas, infelizmente não temos hoje, na visão dela, um elemento que seja capaz de reunir todos esses esforços. Eles são muito fragmentados, estão desconectados e espalhados pelo mundo, mas há sim algumas iniciativas que vão sendo feitas no sentido de reunir essas forças e dar a elas uma consistência mais forte e mais integrada.

Um dos veículos de instrumento para isso tem sido o Fórum Social Mundial, um espaço de debate, discussão, para onde são levadas essas demandas sociais. Há outros movimentos, como a Via Campesina, por exemplo, e o próprio Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil que têm muita importância lá fora, só não têm aqui, pois são criminalizados pela imprensa. Existem movimentos jovens, como o Creative Commons, no Brasil, e grupos se criando a partir da Internet. Naomi acha que, talvez, vá demorar um tempo, mas já podemos ver que há formas de resistências sendo montadas, há grupos interessados em reagir contra essa situação, mas, para saber onde isso dará, teremos que esperar. A Internet é uma das formas mais importantes de resistência e organização desses movimentos, tanto no plano local quanto no mundial, que pretendem interferir nos rumos da humanidade.

IHU On-Line – A partir dessa análise do livro de Naomi Klein, que cultura é gerada?

Vânia Cury – Acho que é uma forma de enfrentamento, e talvez uma das mais interessantes. Este é um dos calcanhares de Aquiles do Estado atual de organização da economia, pois, até agora, apesar de todas as tentativas que estão sendo feitas, não se mostr ou viável uma forma de controle dessas redes sociais que vão se formando na Internet. Talvez esse seja um caminho interessante mesmo, não sei como isso irá evoluir, mas não tenho dúvida de que ele é um ponto de atrito e conflito para ordem dominante.

IHU On-Line – A senhora concorda com a ideia de que "se o clima fosse um banco, ele seria salvo"?

Vânia Cury – Acho que é bem provável, pois não há nenhum setor que tenha recebido mais apoio e cuidados no mundo hoje do que o setor financeiro. Nunca falta dinheiro, nunca há entraves de tipo jurídico, todos sempre estão dispostos a acudir as finanças, coisas que não vemos acontecer com relação ao ambiente, ao clima e aos recursos naturais, dos quais a nossa vida depende diariamente. Quando acontece algo com o sistema financeiro, todos ajudam. É como se pensassem: “Se isso falhar, estaremos mortos”. E se esse sistema falhar é pouco provável que toda a hu manidade esteja morta. Esse é o poder que o setor financeiro tem de tornar os seus interesses os mais importantes do mundo. Eles exercem esse poder de várias maneiras, inclusive pelas chantagens. Através de ataques especulativos, eles podem jogar um país na miséria. Inclusive já fizeram isso, no passado, com a Argentina, Rússia, México, Ásia e tentaram fazer com o Brasil. Eles prometem, cumprem, tiram todos os recursos de uma vez, fazem jogatina na bolsa, ameaçam com ataques especulativos, e colocam os governos em uma situação de muita fragilidade. Não se pode correr o risco de levar o país à bancarrota. Toda vez que se provoca esse risco, se coloca uma situação de miséria social e desagregação política muito graves.

IHU On-Line – A senhora acredita que um novo modelo econômico mais sustentável terminaria com essa ideia de “Capitalismo de desastre”?

Vânia Cury – Acredito que sim. Se esse modelo fosse implantado com mais responsabilidade, com maior controle da sociedade sobre a origem e destino do dinheiro, acho que estaríamos muito mais livres dessas situações tão incômodas que vêm se repetindo. Nas últimas décadas, isso vem se tornando repetitivo, toda hora há uma calamidade, uma catástrofe e isso é muito grave. É uma sequência que começa a despertar nossa reflexão. Naomi Klein e outros pensadores começam a desvendar as questões que surgem

sábado, 15 de maio de 2010

Rejeitado por unanimidade o PLP 549, que visa congelar os salários por 10 anos

Servidores derrotam governo na Comissão de Trabalho
Rejeitado por unanimidade o PLP 549, que visa congelar os salários por 10 anos

Nesta quarta-feira, 12, o Projeto de Lei Complementar 549/2009, de autoria da liderança do governo no Senado, foi rejeitado por unanimidade na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados. Essa proposta é uma cópia do PLP 1/2007, lançado juntamente com o PAC, que limita o crescimento da folha de pagamento do funcionalismo público. O PLP 549 também impõe severos limites à infra-estrutura do Estado, sempre sob o argumento neoliberal de que o governo gasta demais com o serviço público.

Apesar do PLP ter sido rejeitado pela Comissão de Trabalho, ele continua sua tramitação, e foi recebido na quinta-feira, 13, pela Comissão de Finanças e Tributação, onde a deputada Luciana Genro já solicitou à presidência da Comissão a relatoria do projeto.

Governo Lula “fecha o cofre” para os servidores e aposentados e abre para os rentistas

Nesta semana, os jornais anunciaram que o presidente Lula irá “fechar o cofre” para os servidores públicos, e recomendou aos ministros o corte do ponto dos grevistas. Enquanto isso, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sugere Reforma da Previdência e elevação de impostos para fazer face ao aumento (pífio) de 7,7% dos aposentados e o fim do fator previdenciário, recentemente aprovados pela Câmara dos Deputados.

Agora, estranhamente, o governo divulga que tais medidas custarão R$ 60 bilhões aos cofres da Previdência nos próximos cinco anos, sem divulgar como se chegou a tais valores absurdamente altos em comparação a estimativas recentes divulgadas pelo próprio governo.

Estimativas à parte, a verdade é que, somente até 10 de maio deste ano, o Tesouro já gastou R$ 107 bilhões com juros e amortizações da dívida pública federal, sem contar a “rolagem”, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos.

Incluem-se nesses R$ 107 bilhões os R$ 53 bilhões gastos pelo Tesouro para a cobertura de parte do prejuízo monstruoso do Banco Central ocorrido em 2009, de R$ 147 bilhões.

Porém, para esses gastos absurdos que beneficiam os rentistas, o presidente Lula não quer “fechar o cofre”.

Mesmo aliando-se à velha direita, governo sofre para aprovar “relatório-pizza” na CPI da Dívida

Nesta terça-feira, 11, a base do governo aprovou o relatório final da CPI da Dívida, por margem apertada: 8 votos a 5. Apesar do relatório ter admitido que a dívida brasileira é produto de taxas de juros “não-civilizadas”, e que os órgãos oficiais não encaminharam diversas informações requeridas pela CPI, ele conclui pela inexistência de ilegalidades no endividamento, e não recomenda auditoria da dívida nem o envio dos documentos ao Ministério Público.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL/SP), proponente da CPI, apresentou voto em separado (relatório alternativo), que foi apoiado por um total de oito deputados, ou seja, o mesmo número de votos obtidos pelo “relatório-pizza” do governo. Porém, três desses parlamentares não puderam votar, pelo fato de não estarem em Brasília ou por serem suplentes de deputados que votaram. O voto em separado pede auditoria da dívida e aponta diversos e graves indícios de ilegalidades no endividamento, que serão entregues oficialmente ao Ministério Público no dia 18 de maio, para o início das ações jurídicas cabíveis.

Importantes entidades estiveram presentes na última reunião da CPI da Dívida. Portando coletes, cartazes e “pizzas”, foram fundamentais para o equilíbrio na votação: poucos deputados da base do governo (e também da “velha direita”) quiseram “dar as caras” e votar. Apenas um deputado do PT votou a favor do “relatório-pizza”: Virgílio Guimarães (PT/MG).

Votaram também a favor do relatório do governo os deputados Pedro Novais (PMDB/MA), relator, Jô Moraes (PcdoB/MG), Márcio Reinaldo (PP/MG), Nelson Meurer (PP/PR), Alfredo Kaefer (PSDB/PR), Manoel Junior (PMDB/PB) e José Rocha (PR/BA).

Assinaram o voto em separado do deputado Ivan Valente (PSOL/SP) os deputados Paulo Rubem Santiago (PDT/PE), Hugo Leal (PSC/RJ), Cleber Verde (PRB/MA), Julião Amin (PDT/MA), Carlos Alberto Canuto (PSC/AL), Pedro Fernandes (PTB/MA) e Ernandes Amorim (PTB/RO).

Equipe econômica espera final da CPI para cortar mais gastos sociais

Nesta quinta-feira, 13, o governo anunciou um corte de R$ 10 bilhões no orçamento, o que significa uma redução de gastos de todas as áreas sociais. A justificativa seria tentar reduzir a quantidade de dinheiro em circulação para reduzir o consumo, que na visão do governo estaria muito alto, gerando muita inflação.

Em primeiro lugar, cabe ressaltar que grande parte da atual inflação é proveniente do aumento de preços administrados pelo governo (tais como tarifas de ônibus, energia, telefone, combustíveis etc.) e pelo calendário agrícola, que nada tem a ver com um suposto excesso de gastos públicos.

Em segundo lugar, cabe ressaltar quem são os autores de tais estimativas de crescimento e inflação: o próprio mercado financeiro, diretamente interessado em cortes de gastos sociais e altas taxas de juros. Tais estimativas são divulgadas no Boletim Focus, do Banco Central, e trazem expectativas de inflação de 5,5% para este ano. Pelo sistema de metas de inflação, tal índice não pode superar os 4,5%, e por isso, o Banco Central sobe os juros, ignorando que esses já são os maiores do mundo.

Para tentar convencer o “mercado” a aceitar uma alta menor nos juros, o governo então sinaliza com um corte de gastos, prejudicando diversas áreas sociais. Ou seja: é mais uma prova de que a política econômica vive em função das exigências do mercado.